DEZ PESSOAS SE ENCONTRAM NO PONTO DEZENCONTRO ERSM.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Que Horas são?


-Que horas são? Pergunta um homem sentado ao meu lado, que também reclama do atraso do bendito ônibus que nunca chega.

-11:15... Respondo por educação, mas o que me chama realmente a atenção é a situação que me rodeia, e começo a divagar sobre a situação humana, cercada por antagonias. A minha direita uma criança, aos berros, pede colo a sua mãe, que não a pode ceder o esperado colo, pois está amamentando a caçula, caçula de seis irmãos, isso mesmo seis! É comovente, engraçado, trágico e irritante ao mesmo tempo, enfim, a mãe passa a caçulinha para um de seus filhos e dá aconchego à menininha chorosa que está sentadinha ao chão, que se aquieta ao sentir o calor materno.

Aonde vai parar a cintura das calças de adolescentes faceiras, cada dia que passa a cintura vai baixando, daqui a algum tempo terão que inventar cintos duplos para serem afivelados aos joelhos, um de cada lado. E ônibus não passa...

Um bêbado se aproxima e troca algumas palavras com o pai das seis crianças, engraçado, descobri que umas boas doses de cachaça transformam qualquer homem em um sábio filósofo. E o bêbado vai embora, assim como chegou. E o ônibus não passa...

-Quantos metros têm sete quilômetros?...Pergunta que aguça meus ouvidos, principalmente o do lado esquerdo, fazer continha esse sim é o mal do ensino, pois não se faz mais cálculos, usam-se apenas continhas do lado do exercício, que a professora copiou de um livro qualquer.

Um ônibus para a minha frente, para infelicidade minha não é o meu. Como é irritante o barulho do motor, agora tenho mais dó do (olha a aliteração) motorista.

Uma coisa que eu mais gosto do que lasanha é prestar atenção em conversa alheia, todo mundo gosta, mas ninguém admite, pois eu sou um escutador sim e com muito orgulho de minha espionagem de conversação. Dois casais, um a minha frente agarradinhos tirando proveito do frio noturno, outro a minha esquerda, ele com as mãos escondidas no bolso da blusa (a criança chorosa acaba de fazer xixi atrás do banco) e ela com os braços cruzados, deixa pra lá, eles já foram embora mesmo.

Que vontade de fazer xixi (que inveja da menininha). E o ônibus não passa...

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Vou-me Embora pra Pasárgada

Vou-me Embora pra Pasárgada

Manuel Bandeira


Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconseqüente

Que Joana a Louca de Espanha

Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente

Da nora que nunca tive

E como farei ginástica

Andarei de bicicleta

Montarei em burro brabo

Subirei no pau-de-sebo

Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado

Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d'água

Pra me contar as histórias

Que no tempo de eu menino

Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo

É outra civilização

Tem um processo seguro

De impedir a concepção

Tem telefone automático

Tem alcalóide à vontade

Tem prostitutas bonitas

Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der

Vontade de me matar

— Lá sou amigo do rei —

Terei a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada.


Texto extraído do livro "
Bandeira a Vida Inteira", Editora Alumbramento – Rio de Janeiro, 1986, pág. 90